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domingo, 3 de abril de 2016

O trabalho

Estou trabalhando há três meses aqui no Velho Continente.  A experiência tem sido enriquecedora, obviamente, por vários motivos...desde a cultura muito diferente da nossa até os aspectos de team work que a gente tanto cultua - mesmo que falsamente - no Brasil.

Meu intuito com este post de hoje não é de dizer se "aqui é melhor" ou "no Brasil é pior"...pelo contrário!  Meu intuito é destacar diferenças...o foda é que minha base de comparação é o Brasil, mas vou deixar as conclusões para quem lê.

A relação com seus colegas de trabalho
Eu nunca fui o coleguinha mais bem humorado da turma porque sempre detestei acordar cedo.  O resultado é que eu ficava mais na minha até as 10h e era - continua sendo -  relativamente perigoso me fazer perder a paciência.  Nunca fui de chegar distribuindo "beijinhos no rosto" e acho particularmente anti-higiênico (pode me chamar de fresco, tô nem aí!) ter que dar as mãos todos os dias para cumprimentar quem eu vejo todo dia.


 "Bom dia, amÊgo!  Que saudade!  Desde ontem a tarde a gente não se viu!
Dormiu bem?  Como está sua família?  E sua joanete?  
Eu te perguntei tudo isso ontem?"

Mas isso não é sobre o que "eu acho", é sobre como funciona aqui.  Ninguém sequer se aproxima de você para dar "bom dia!".  É apenas um "Guten Morgen!" ou "Moin moin" e beleza, seja feliz!  Não rola beijo-abraço-apertos de mão, mesmo com a sua equipe próxima.  

Uma coisa muito - mas muuito! - diferente é o quão silencioso o ambiente de trabalho é.  As pessoas não se falam muito não!  Não fica muito "de papo" ou falando alto ou dando risada.  Claro que tem seus 5 minutos de descontração mas são raros, espaçados e contidos.  O que eu percebo claramente é o seguinte: "eu até gosto de você mas prefiro não perder tempo porque quero ir pra minha casa mais cedo e 'gastar' esses 10 minutos que iríamos juntos ao café com a minha mulher ou meus filhos."
Não existe esse negócio de alguém ir na sua mesa e pedir um minutinho: o cara se sente incomodado, visivelmente, se você faz isso.  
Precisa falar com alguém?  Marque uma reunião com essa pessoa e diga antes qual é a pauta - porque aí ela se prepara e todos ganham tempo.

Por conta dessa cultura "Não me interrompa!", é plenamente possível que você chegue as 8h, sente-se e levante-se para ir embora às 16h sem ter conversado com ninguém durante todo o dia.  Especialmente se você executar tarefas técnicas ou muito operacionais - o que é comum na área de TI, por exemplo.  Tem um cara que trabalha comigo que é bem isso: chegar, sentar, trabalhar, levantar e ir embora - sem dar um pio.  O resultado é que ele ganha em eficiência e sai do trampo por volta das 14h30, 15h todos os dias.  E isso não pega mal: o cara é pago pra fazer aquela tarefa e ponto final.

São muito solicitos.  Se você precisa de ajuda, basta pedir e quando não souberem como algo é feito, indicarão a você quem sabe.  Nunca tive um problema em relação a isso.

E na hora do almoço, é muito diferente também.  No Brasil, o almoço é um evento corporativo: sai uma galera junta.  Aqui normalmente vão em grupos de dois ou três mas muitas vezes vão sozinhos e almoçam rápido pra poder voltar logo e ir embora logo - eu ainda não me acostumei totalmente a isso.


A relação com a chefia
Isso é radicalmente diferente aqui em relação ao Brasil.
Seu chefe aqui não te controla porque não é preciso: há uma relação de confiança corporativa que foi estabelecida quando você assinou o contrato de trabalho - você se propôs a cumprir algumas tarefas dentro de um prazo e é isso que seu chefe sabe que você vai fazer.
Não tem "espionagem" do chefe com o empregado, sabe?  É mais harmônico.

Se há algo errado ou se você faz algo errado, o que acontece aqui é que seu chefe te chama e diz exatamente qual foi o erro e o que ele espera que seja feito da próxima.  E pronto!

A hierarquia corporativa aqui é mais frouxa.  Isso significa que não existe a figura do "chefe maligno" e que as diferenças - inclusive salariais - não são grandes.
No Brasil, as diferenças são mais latentes e a gente "meio que respeita a hierarquia".  Aqui na Alemanha, é claro que há respeito, mas a sensação comum é de que todos estamos trabalhando pela mesma causa e um tem que ajudar o outro pra esse objetivo comum.

"Olá Simpson!"

Não me entenda mal.  É claro que deve ter um filho da puta querendo puxar seu tapete mas esses caras estão mais presentes no Brasil do que por aqui, na minha opinião.

A organização do trabalho
Isso é uma coisa muito interessante que eu acho que se aplica apenas a empresas grandes.  Vamos supor que você trabalhava numa empresa que tinha 100 funcionários e você foi contratado para fazer X, Y e Z.  Daí a empresa cresceu e o faturamento aumentou, a carga de trabalho aumentou.  Não contrataram mais gente, daí você tem que fazer X, Y, Z, A e B agora - ganhando o mesmo.
Aqui não é bem assim: surgiram tarefas novas?  Contrata gente nova.
Isso é meio estranho para mim porque, quando você olha para as equipes, você tende a imaginar que não precisava de tudo aquilo, mas do outro lado você que só assim é sustentável e não haverá problemas de qualidade ou prazo.

É relativamente comum - de novo, em grandes empresas - que uma pessoa execute apenas uma tarefa e ponto.  No começo eu pensava "poxa, quanta improdutividade!", mas agora que a ficha tá caindo, eu percebo que aquela senhora que faz só aquela atividade, faz bem, no prazo e manja do que faz.  Além disso ela consegue se organizar suficientemente e tem um ambiente de trabalho mais calmo.  Muitas vezes, aquela senhora lá estudou e se formou doutora só pra fazer aquilo que ela está fazendo (e isso não é brincadeira!  Isso é comum aqui!)
Nossa "produtividade" no Brasil é mais caótica, com telefones tocando e prazos apertados pra cumprir, enquanto tem coisas que você deveria fazer e não tem tempo - daí fazemos hora extra, trampamos de fim de semana...e com um resultado geral de qualidade aceitável mas questionável, convenhamos...

O caos

O horário de trabalho e as férias
Não é bagunça, como eu pensava.  Tem uma carga horária a ser cumprida e prevista em contrato.  O que muda muito são os tipos de contrato de trabalho porque aqui eles têm muita flexibilidade com os contratos: existem contrato de 40 horas semanais, ou 35 ou 30 ou 20 horas semanais, por exemplo...não tem uma "CLT" pra engessar a porra toda.
O que acontece é que - pelo menos nas grandes empresas e mesmo assim, não em todas - o senso comum corporativo aponta pro seguinte: apesar do seu contrato, se você terminou o que você planejou fazer hoje, está tudo em dia e não há pendências, você pode, sim, sair mais cedo.  Então é possível que ao meio dia da quinta feira a pessoa saia mais cedo e não venha na sexta (depois desconta esse dia ausente das ferias).

A despeito disso, é bom eu deixar claro que a gente, brasileiro, já é visto aqui como quem não trabalha direito...então a gente tem que provar pra todo mundo que a gente trabalha bem sim e tá dispostos a trabalhar mais que todo mundo.  Então eu não tenho saído cedo assim, como a maioria deles aqui faz.  Não que eu deva me explicar pra ninguém, mas tem um senso de responsabilidade que a gente tem que ter - acho muito legal esse esquema da flexibilidade deles aqui pra horário de trabalho mas tenho que fazer por onde pra aproveitar disso como um local.

As férias aqui também são de 30 dias só que 30 dias úteis ou 6 semanas.

 "30 dias ÚTEIS de férias?"

Mas o mais legal é que você pode tirar quando quiser e no intervalo que quiser: tipo, junta um feriado e tira 3 dias de férias em março, mas dois de férias em abril, mas 10 em junho e etc.  Não tem a merda da CLT pra engessar isso, como no Brasil.

Tem mais coisas, mas esse post tá muito grande já.  Depois eu conto mais.  Se alguém tem pergunta, me deixa aqui nos comentários e eu respondo.

E passei na merda da prova de direção teórica, cazo!  Mais pra frente, depois que passar o prático, eu conto a saga.


Tschüss!

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